O elefante na sala: o novo e decisivo disco dos Arcade Fire

Os Arcade Fire voltam esta sexta-feira aos discos: “Pink elephant”, sétimo álbum da banda canadiana, o primeiro desde “WE”, de 2022, chega hoje às lojas e plataformas, rodeado de uma enorme expetativa.

O título remete para o efeito paradoxal em que um esforço que façamos para suprimir um pensamento, apenas leva a que seja impossível dele fugir, e logo aqui podemos resumir um pouco do tom envolve o disco: parece haver uma autodefinida busca de algo novo, um querer seguir em frente face a tudo, mesmo quando para trás ficam momentos graves, como as acusações de conduta sexual imprópria que envolveram o vocalista Win Butler, em 2022.

Nos novos Arcade Fire, tudo ou quase tudo é rosa, visual e cinematográfico, aparentemente conceptual. O grupo parece querer proteger-se num clube, metafórico e real, expresso numa nova canção e app que lançaram: a Circle of Trust, que funciona como recurso para notícias, músicas, exclusivos e acesso antecipado a bilhetes.

É a procura de uma nova vida para a banda de Montreal, que primeiro conhecemos com “Funeral” em 2004, álbum de uma geração, e que então visionávamos quase como um núcleo familiar – até antes do casamento de Win Butler com Régine Chassagne, ou além do facto do cantor ter um irmão na banda, Will, que entretanto saiu. Mas não é uma procura fácil.

Muitos anos e vidas passadas, o grupo massificou e mudou, teve momentos melhores e piores, até a nível lírico e musical, o que resume a expetativa em torno do novo disco. O resultado é quase tão paradoxal como o titulo: no reconhecimento de que estes não são os mesmos Arcade Fire de “Tunnels”, “Wake up” ou de “No cars go”, não conseguimos não o ver, e nem o poderiam ser. São um grupo aparentemente a querer virar a página, a experimentar no caminho; e ao fazê-lo, a despojar, diversificar. Com isso, conseguem criar momentos magnéticos e surpreendentes – em casos, como no single “Year of the snake”, muito bem conseguidos; noutros, menos impactantes.

Os 10 temas são lançados com “Open your heart or die trying”, algo como “abre o teu coração ou morre a tentar”, entrada dramática, hipnótica e sem voz, um pouco um vislumbre do que nos espera nos 42 minutos seguintes: um ambiente mais etéreo, experimental, mais focado nos instrumentos, paisagens sonoras mais cinematográficas.

“Pink elephant”, canção titulo e segunda no disco, é um tema totalmente Arcade Fire, a letra a remeter para o tal paradoxo, aqui personalizado: “tirem o pensamento de mim”, canta o vocalista.

“Year of the snake”, que foi o primeiro single, é um clássico instantâneo: ou não tão instantâneo, porque primeiro ficamos meio atordoados, a estranhar a melodia-riff base, e depois é essa melodia base que nos traz um dos mais infeciosos temas dos AF dos últimos anos, daqueles que ficam na cabeça, e não por terem um refrão cheio de coros, mas porque tudo é estranho, e novo, em bom.

O título da canção refere-se a 2025 ser o Ano Lunar da Serpente, o que representa um momento de renovação, transformação e novos começos. O vídeo, projeto especial com o colaborador de longa data da banda, David Wilson e artista de vídeo Mark Prendergast, é um mini filme psicadélico e nostálgico, que reflete, como o tema, uma busca de algo.

“Circle of trust” é uma canção mais pop, “Alien nation” mais progressiva, tal como a seguinte “Beyond salvation” – novamente cinematográfica e no final quase robótica.

Segue-se “Ride or die”, um despojado lamento, de novo focado no espírito de “seguir em frente ou perecer”, e o ânimo sobe com “I love her shadow”, tema mais eletro pop, um pouco ao género do ambiente musical de “Reflektor”. Depois de novo instrumental atmosférico – “She cries diamond rain” –, a décima e última canção do disco, “Stuck in my head”, tem uma entrada típica de Arcade Fire, mimica de “Lies”, a intensidade, emergência e pulsatilidade que lhes é característica, num crescendo com uma explosão rock no final: aqui, 7 minutos da banda canadiana no seu melhor.

No final, é notório que este é um álbum mais despido, introspetivo, minimalista e sem grandes hinos indie rock para cantar em festivais, sem excessos. E, no entanto, com várias camadas, e momentos musicais fortes. Produzido por Win Butler, Régine Chassagne e Daniel Lanois (que trabalhou com os U2 nos primeiros anos), “Pink elephant” pode não ser o melhor disco dos Arcade Fire, mas talvez seja o melhor disco para a nova vida que o grupo procura.