Vizinhos temem reativação de pedreira em Santo Tirso: “Era muito barulho… Isto tremia tudo”

Quando Iva Guedes trocou a “confusão” do Porto pelo sossego de Monte Córdova, pacata freguesia de Santo Tirso onde nasce o rio Leça, não imaginava que teria de enfrentar o calvário que moradores como Manuela, Orlando ou Leonor não conseguem apagar da memória dos anos de exploração da pedreira do Lajedo. Em 2024, o complexo foi reativado e ampliado ilegalmente para zona de reserva, depois de ter estado inativo durante mais de uma década.

“Era muito barulho, eram os tiros [rebentamentos, para extrair a pedra]… Isto tremia tudo”, recorda Gilberto Marinho, enquanto o vizinho Orlando Ribeiro não esquece “o pó” gerado pela extração do granito. “Na zona onde resido, era um manto branco”, descreve, de olhos postos no monte esventrado, temendo que, agora, os efeitos daquela indústria extrativa se agravem, dado o alargamento das instalações e a maquinaria já colocada.

“Os tiros eram ao meio-dia e às cinco horas da tarde e, quem estivesse nos campos, tinha de proteger-se, porque as pedras voavam. Em linha reta, a minha casa está a 200 metros da pedreira e está rachada por causa dos rebentamentos. Nunca apanhei com pedras no telhado, mas outros vizinhos que vivem mais perto da pedreira tiveram os telhados partidos várias vezes”, conta Manuela Vale, que, tal como outros moradores daquela zona do Vale do Leça, tem contestado a reativação e a expansão da pedreira, que foi adquirida em 2022 pela construtora Edilages.

Expansão para ren

No ano passado, a empresa começou a ampliar o complexo de forma ilegal, construindo estruturas em betão e uma zona de britagem, expandindo-se para uma área de Reserva Ecológica Nacional (REN), tal com o JN noticiou em abril. A obra foi embargada pela Câmara de Santo Tirso, mas os moradores continuam alarmados e temem voltar a viver o tormento por que passaram a partir de 1998, quando começou a exploração daquela pedreira.

“Nem tenho coragem de ir ali; é um déjà vu, completamente. Na altura, eram os camiões, o barulho, os tremores, as pedras… Isto é muito complicado para nós e estou cansada”, desabafa Leonor Ferreira, que recorda, com mágoa, a época em que a família teve de sair da moradia onde sempre viveu, quase às portas da pedreira, por já não conseguir suportar os impactos daquela atividade. “Os meus pais decidiram sair. Uma vez, uma pedra quase bateu no meu pai. Não podíamos ter roupa estendida por causa da poeira e tínhamos as janelas sempre fechadas”, lembra Leonor, que regressou à casa de Monte Córdova com o marido e os filhos, “quando a pedreira foi desativada”. Agora, receia ter de reviver o pesadelo que, em tempos, tirou a paz a toda a família. “Gastámos muito dinheiro [na casa] para voltarmos outra vez a esta situação e corrermos o risco de ter de ir embora de novo”, lamenta.

Rio Leça em risco

“Toda esta zona está inserida na mesma laje da pedreira e qualquer rebentamento que haja mexe com tudo”, alerta Orlando Ribeiro. Paredes meias com a pedreira, Chantal Nourrit fala em “catástrofe”, enquanto Ricardo Meireles e Rui Inácio alertam para as consequências no rio Leça, que pode ser afetado com detritos que seguem nas linhas de água que nele desaguam. “É um contrassenso defenderem o Corredor do Leça e autorizarem um projeto destes”, protesta Inácio, ao passo que Manuela Vale lembra que “o rio Leça foi desviado por causa dos rebentamentos na pedreira do lugar de Cabanas”, cuja exploração se iniciou em 2003, mesmo junto à nascente do rio.

No lugar de Pereiras, abaixo da área onde a Edilages fez uma terraplenagem e construiu estruturas em betão, Rui Marinho viu a água invadir-lhe a Quinta da Hortelã. Com o monte já sem vegetação para conter águas ou terras, “sempre que chove vem tudo por aqui abaixo”, conta. E mostra o caminho esventrado – e agora intransitável – que desce da zona da pedreira à quinta, entretanto cortado. “Um carro dos bombeiros vem aqui como? Da maneira que isto está, não pode”, avisa Manuela Vale.v

Reativação

A Edilages adquiriu, em 2022, a pedreira do Lajedo, que esteve inativa mais de uma década. A 31 de agosto de 2023, foi emitido o averbamento ao alvará de 1995 de licença de estabelecimento para a exploração de pedreira de granito.

Queixas antigas

Enquanto foi explorada, multiplicaram-se as queixas dos moradores. A primeira grande terraplanagem no local data de 1994, mas os protestos dos habitantes aumentaram em 1998, com o início da exploração.